sábado, 16 de janeiro de 2010

O Popular e as lutas pela terra no Sertão Carioca

Assim como nos programas do PSB sobre as questões nacionais e a abordagem que O Popular faz sobre elas, boa parte da cobertura realizada sobre a questão de terras no Sertão Carioca desempenhava uma importante função de conformação de uma identidade política ao nível do discurso. Isto é, as reportagens não só tinham um caráter informativo, como difundiam também – seja por meio de argumentos ou afirmativas explícitos, seja pela forma como os fatos eram enfocados – concepções e valores ideológicos e doutrinários. Com isso, buscava-se demarcar as singularidades de sua posição no campo político local e nacional, principalmente em relação às duas grandes forças da esquerda como PCB e PTB. Isso não excluía, decerto, algumas convergências e pontos de contato com os mesmos.

Uma das primeiras reportagens sobre conflitos de terra no Sertão Carioca foi publicada em 10 de julho de 1951 sobre um caso ocorrido em Pedra de Guaratiba, envolvendo Pedro Moacyr, pretenso proprietário, e famílias de pequenos lavradores. Podemos encontrar nela muitos pontos comuns entre a abordagem realizada pelo jornal socialista e os jornais ligados a outras correntes políticas, como o comunista Imprensa Popular e trabalhista O Radical e até mesmo com o liberal-conservador O Globo. Neles há uma contundente condenação às investidas do pretenso proprietário em despejar dezenas de famílias de pequenos lavradores. “Selvageria”, “desumanidade”, “monstruosidade”, são qualificativos recorrentemente utilizados para descreverem tais ações. Mas na reportagem seguinte, sobre o mesmo caso, já é possível verificar alguns pontos de divergência. No fim da matéria o jornal ironiza a atitude do’Globo e do Diário Trabalhista – jornal de propriedade do próprio Pedro Moacyr - em qualificar a resistência dos lavradores à ação do pretenso proprietário como uma manobra arquitetada por comunistas:

"Sentindo que os lavradores estavam dispostos a reagir, o senhor Pedro Moacyr resolveu regressar a Capital para dizer pelas colunas de um matutino [Diário Trabalhista] que os caboclos que cultivam suas terras eram comunistas: que resistiam obedecendo a instruções do partido, etc., como se proteger a família e bens é coisa, apenas, de comunistas".

O caso de Pedra de Guaratiba levava o jornal a mais uma vez afirmar a sua posição sobre a questão do anti-comunismo, que a seu ver era muito mais um instrumento de preservação de interesses do que um valor de fundo “patriótico e cristão”. E aqui o PSB divergia não só da direita como também de amplos setores do trabalhismo, que de igual forma fomentavam a indústria do anti-comunismo.

Em outros momentos, o esforço em se diferenciar do PCB se fazia acompanhar de um alinhamento com as posições do PTB. Enquanto os jornais comunistas procuravam disseminar entre os pequenos lavradores o sentimento de descrença e ilegitimidade nas autoridades públicas – visto ser um agente incapaz de solucionar as situações de injustiça no campo, seja por ineficácia do aparelho de justiça seja pelo próprio comprometimento de setores ou membros do Estado com os latifundiários – os socialistas, assim como os trabalhistas, procuravam exatamente difundir uma idéia contrária: a do Estado como interlocutor legítimo e seguro para o encaminhamento de demandas. E talvez mais do que isto: ele seria um verdadeiro aliado. Neste sentido, é significativo que as reportagens sobre os eventos realizados pelos pequenos lavradores junto aos centros de poder da Capital da República os classifiquem não como ações de “protesto” – como o faz a imprensa comunista – e sim como tentativas de conseguir uma “audiência” com autoridades políticas. Ou seja, a oportunidade em que os pequenos lavradores expõem as suas demandas e reivindicações não são fruto de seu esforço de organização e mobilização, mas fundamentalmente uma concessão das autoridades públicas. A audiência é também o momento em que esta autoridade reforça por meio de palavras de apoio a sua adesão à causa daqueles a quem ele escuta. E ao destacar que a autoridade política demonstra tal adesão exatamente no horário (expediente) e no lugar em que exerce tal função, enquanto “pessoa pública”, o jornal mostra que tal apoio não parte de uma pessoa em particular, mas do próprio Poder Público. A “audiência” é, portanto, um momento de simbolização de uma relação de aliança e fidelidade entre agentes que os comunistas, ainda sob a égide do Manifesto de Agosto, insistiriam em apresentar como adversários praticamente irreconciliáveis.

Vejamos o que teria ocorrido com "numerosa comissão" de pequenos lavradores cariocas constituída por duas representações: uma de Pedra de Guaratiba e a outra da Fazenda do Piaí (Sepetiba). Numa “audiência” com o prefeito, na hora do seu “despacho com o secretário de agricultura”, elas pediram “providências do governo contra os despejos em massa”. Segundo o jornal, o prefeito respondeu que sentia "profundo respeito pela causa dos lavradores", dizendo que a municipalidade "já estudava" um meio para sustar os despejos. E acrescentava que o fazia por “recomendação expressa do presidente da República, para quem a situação dos lavradores rurais é objeto de constante e atenta preocupação”. Alguns meses depois, segundo o’ Popular, o vereador pessedista Osmar Resende teria tentado uma audiência dos lavradores com o próprio Getúlio Vargas. Algo que foi conseguido por alguns membros do Sindicato de Trabalhadores Rurais do Rio de Janeiro, que tiveram uma audiência com Vargas no Palácio Rio Negro, em Petrópolis. Na ocasião, eles teriam entregado-lhe um memorial em que "solicitavam maior ajudam financeira para a lavoura do Distrito Federal". O presidente teria, como resposta, manifestado "o inteiro apoio do governo Federal às reivindicações apresentadas".

Com a morte de Getúlio em agosto de 1954 caia por terra também o esquema de financiamento (realizado a partir do Banco do Brasil) de órgãos da imprensa para o reforço de sua imagem junto à opinião pública. O Popular foi exatamente um dos últimos jornais a serem laureados com tal “ajuda”, só participando de tal esquema a partir de 1954. Em outubro do mesmo ano encerrava definitivamente suas funções.

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