segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

"Cláudio Louco", o guerrilheiro que todos preferem esquecer

Assembléia de marinheiros e fuzileiros
navais, 5 dias antes da quartelada de
1964Como seria reconstituir, à maneira dos quebra-cabeças, encaixando peça por peça, uma das mais trágicas e bizarras trajetórias de militantes da resistência à ditadura de 1964/85?
Foi mais ou menos como Bram Stocker procedeu no seu clássico Drácula, só que usando registros inventados.Vou tentar fazer essa montagem a partir dos registros verídicos de dois livros sobre trajetórias de militantes da luta armada: A Trilha do Labirinto (Inojosa Editores, 1993, relançado no ano passado pela Editora Bagaço), do companheiro Chico de Assis, ex-PCB e PCBR; e o meu Náufrago da Utopia (Geração Editorial, 2005).Vamos, pois, à história de Cláudio de Souza Ribeiro, personagem secundário mas marcante em ambas as obras, referido pelo Chico como "Caio" e por mim como "Matos".Da infância à luta armada (em A Trilha do Labirinto)
"...uma infância pobre, muito pobre, moleque num subúrbio do Recife, o pai alcoólatra, degradado, diariamente no boteco, o rosto, os olhos vermelhos, inchados, a fala pastosa.a mãe altiva, ainda bonita, arrimo de família com suas costuras, disfarça cada vez menos a irritação que lhe causa ver os pingos do seu suor transformados na pinga do marido cachaceiro.
(um dia eu largo tudo e me mando com você pelo mundo)
ameaça que acabou cumprindo, para o mal ou para o bem, Caio não sabe, sabendo apenas que se viu acompanhando a mãe, na terceira classe de um navio, rumo a Belém do Pará, quando viveu talvez seu primeiro grande trauma, o envolvimento da mãe com um companheiro de tripulação.
outros fatos também presentes na formação de uma personalidade visivelmente psicopática (são) a entrada na Marinha, a percepção de zombaria por parte dos outros marinheiros nos banhos coletivos, sobre o tamanho do seu pênis,rejeitava agressivo a provocação, mas não conseguia com a mesma facilidade expulsá-la de dentro de si, quando sozinho se depara com o pênis, de fato pequeno, começando a acumular complexos e frustrações que teriam de explodir como explodiram, sobre a cama, na primeira tentativa de relação sexual que fizera.
(puxa, bem, pra levantar esse aí - disse a puta - só com guindaste) não esperando a violenta bofetada que se seguiu e a cena histérica de Caio segurando-a pelos braços em constantes safanões,comportamento de que se arrependia depois, mas que se foi repetindo a cada novo insucesso, até que se decidiu pelo outro extremo, o de evitar o problema evitando as mulheres e sublimando tudo na política, que começara a fazer, ainda antes de 64, no movimento sindical dos marinheiros, quando conviveu com o cabo Anselmo.
"Caio se ligou a ele sem pestanejar, transformando-se num de seus homens mais próximos, tanto que os dois foram cassados juntos, logo depois de 64, viajando então para Cuba, onde fizeram o mesmo curso de guerrilhas e fabricação de explosivos, separando-se apenas na volta, quando Caio se ligou diretamente ao comando do capitão Lamarca (...) o lider maior da Vanguarda Popular Revolucionária - VPR, (...) onde Caio ocupa posição de destaque, sobressaindo-se em ações cada vez mais espetaculares, que vão aos poucos criando, entre os dirigentes e intermediários da organização, a mística de revolucionário de novo tipo, compensatória da decepção que experimentam quando se deparam com Caio no dia-a-dia, porque aí ele era uma personalidade dificílima de conviver, como se estivesse permanentemente em guarda contra tudo e contra todos."

Como militante da VPR (em Náufrago da Utopia)
"O Congresso de Abril da VPR tem lugar em Mongaguá, no litoral sul paulista [abril/69]. Júlio [ou seja, eu mesmo, CL] viaja junto com Cláudio de Souza Ribeiro (Matos), um dos remanescentes dos movimentos de marinheiros que foram um dos estopins do golpe de 1964.O ex-marujo é uma figura impressionante, com sua calça cinza e paletó azul-marinho. Gagueja um pouco e tem um jeitão meio insano. Mesmo quando calmo e amistoso como agora, deixa perceber que é um homem explosivo. Refere-se aos adversários na Organização - a derrotada corrente do professor Quartim - como se fossem inimigos. Dá impressão de que seria capaz de matá-los a porradas.

Ao mesmo tempo, tem um passado revolucionário dos mais ricos. No ônibus, conta episódios fascinantes como o do primeiro roubo de banco executado pela VPR:
Nós, os ex-militares, estávamos todos sendo procurados, era difícil arrumar emprego. Chegou um ponto em que não havia mais como conseguir dinheiro para o dia a dia. Então, resolvemos expropriar um banco. Naquele momento foi por necessidade mesmo, não como uma opção política. Levamos duas ou três semanas preparando tudo, vigiando a agência, estudando cada detalhe. Adiamos várias vezes, sempre surgia algum imprevisto. Um dia não tínhamos dinheiro mais nem pra comer, então decidimos: é hoje! Lá dentro deu tudo certo. Mas o pessoal estava tão afobado que quase foi embora me deixando pra trás. Tive de correr atrás do veículo...

Segundo ele, foi alguns assaltos depois que a VPR, após muitas discussões internas, decidiu assumir essas expropriações, espalhando panfletos nos locais. E assim, meio sem querer, a vanguarda passou a desenvolver ações armadas, com o exemplo da VPR logo inspirando a ALN e outras organizações.Do passado mais remoto, Matos diz que o plano de Che Guevara na Bolívia era criar um eixo guerrilheiro cortando a América do Sul de lado a lado. No Brasil, cabia a Leonel Brizola ativar uma guerrilha no Mato Grosso:Ele embolsou o dinheiro dos companheiros cubanos e fez aquela palhaçada em Caparaó só pra disfarçar. Da forma como ele armou aquilo, só podia cair mesmo. Então, todos nós rompemos com o Brizola. E os cubanos botaram nele o apelido de el ratón...[durante o Congresso de Mongaguá] os quadros mais duros são os que exibem descontrole. Lamarca e o marinheiro Matos (...) desabafam em meio ao Congresso. Queixam-se das circunstâncias terríveis em que vivem, como feras acuadas; da solidão; das traições dos companheiros que estariam sabotando a revolução, etc. Problemas políticos e pessoais misturados,em junho/69] a VPR está finalizando os entendimentos com o Colina - Comando de Libertação Nacional, organização surgida em Minas Gerais e que tem atuação marcante também no Rio de Janeiro.

"Logo em seguida, a confirmação: ambos os comandos decidiram somar forças, constituindo a Vanguarda Armada Revolucionária Palmares. Adiante,essa fusão será homologada por um congresso em que todos os militantes estarão representados."O novo Comando Nacional tem seis membros, três de cada origem. Incumbidos da luta principal, a implantação de uma coluna móvel estratégica, estão Lamarca e Matos (VPR), mais o casal Juarez Guimarães e Maria do Carmo Brito (Colina)."[durante o Congresso de Teresópolis, no qual a fusão seria homologada] as posições massistas vencem em toda linha. Há algumas discussões acaloradas, Matos se descontrola, mas não consegue deter o avanço da direita. A VAR-Palmares sairá desse congresso empenhada em recriar os laços orgânicos com as massas, sem conferir à montagem da coluna móvel estratégica a prioridade que ela precisa ter para sair do papel.
"Quando já se discute a constituição do novo comando, (...) Lamarca (...) resolve romper com a VAR e recriar a VPR."Sete militantes saem da VAR para reagrupar a VPR: Lamarca, Mário Japa, Matos, Darcy, Nóbrega, Moisés e Júlio."

Rompe com a VPR para levar vida de civil (em Trilha)
"...[convertia-se] em várias ocasiões num tirano insuportável que não reconhece deveres, apenas direitos, e provoca constantes transtornos com suas reclamações e caprichos, atuando assim na organização, até conhecer Clea, uma militante de base que revelou interesse e curiosidade por conhecer o que já é visto como novo prodígio revolucionário da VPR, pela frieza, pela audácia, pela agilidade reveladas num sem-numero de ações e particularmente pela esquisitice que, segundo afirmam, contorna sua vida pessoal."tratava-se da relação entre duas pessoas com níveis diferentes de participação na luta, fadada (...) a enfrentar (...) conflitos no percurso.
"(não dá mais, meu nego, o cerco tá se fechando e eu não tenho nível pra suportar a clandestinidade de vocês) ela comunicou aflita, depois de informar que fora procurada na Universidade, não tendo sido presa por questão de minutos." [é enorme] o desespero que o consome ao imaginar sua vida sem ela, principalmente sua vida sexual sem ela, a mulher que o levantara da definitiva condenação à impotência, vencendo pelo carinho, pela compreensão, pela absoluta indiferença com que reagira aos primeiros inevitáveis insucessos dele.
"...dois meses depois de sua saída de São Paulo, já integrada no Recife e em vias de conseguir colocação [em] uma empresa em ascensão no Nordeste, encontra-se com Caio.
"(rompi com o pessoal, querida, e vim ficar com você) (...) revelando até mesmo um certo fascínio pela história de se transformar num cidadão comum, com trabalho e residência conhecidos, empolgação que a confundiu e a fez pensar talvez fosse ainda possível viajar nas asas da ilusão que se desfez na primeira crise provocada pelo tédio e pela fulminante ação do sentimento de culpa que começava a corroê-lo implacavelmente, a cada morte ou queda de que ele toma conhecimento, escandalizando a vizinhança (...), reproduzindo a bebedeira do pai e fazendo com que ela se distancie paulatina e irremediavelmente."propensa às confidências e aos desabafos com os companheiros de trabalho, um deles fatalmente terminaria atraindo-a para um novo relacionamento que não teve forças ou não via razão para omitir de Caio."

Baleia a companheira e entrega-se à polícia (em Náufrago)
"Matos, o ex-marujo que foi com Júlio até Mongaguá e chegou a ser comandante tanto da VPR quanto da VAR-Palmares, acabou justificando o apelido que tinha na Associação dos Marinheiros: Cláudio Louco. Abandonou a luta para viver com sua amada nos confins de Pernambuco. Ao descobrir que era traído, matou a companheira e se entregou à polícia, em agosto de 1971.
"Comparece a um julgamento com olhar perdido. Mantêm-no algemado durante toda a audiência, ao contrário dos demais réus. Dois policiais tomam conta dele o tempo todo."
Penitenciária Barreto Campelo, Itamaracá/PE (em Trilha)
"[companheiro de prisão do Chico de Assis] Caio era capaz de invadir repentinamente uma cela onde estivéssemos reunidos e a título apenas de alimentar suas manias extravagantes de perseguição, declarar que a partir daquele momento só falaria com fulano ou sicrano, deixando a todos atônitos, mais ainda porque dias depois ele se arrependia da atitude e voltava a conviver normalmente com todos.
"[depois de ouvirem o relato pungente de suas desgraças, os outros presos políticos acabaram] selando com Caio uma espécie de acordo tácito, a partir do qual eles compreenderiam e terminariam perdoando todas as extravagâncias, idiossincrasias e dificuldades de conviviência que ele viesse a manifestar no longo trajeto carcerário que todos viriam a percorrer até a liberdade, não imaginando então que a de Caio seria conquistada em fuga espetacular e única entre os presos políticos do Estado".

O desfecho, em 2009: encontro marcado com o destino
Para terminar, acrescento o que o Chico me contou por e-mail, diante do interesse que, após ler seu livro, manifestei sobre Matos, nosso conhecido comum.
P. ex., que, no seu desespero por ter matado Clea, Matos chegou a pedir aos canalhas do DOI-Codi que o executassem, recebendo como resposta: "Aqui não morre quem quer, só quem a gente quer".Depois de um início difícil, ele acabou se integrando ao círculo de prisioneiros políticos de Itamaracá, só vindo a fugir porque, com a anistia, seria entregue à Justiça comum, como assassino. Não admitia ficar preso junto com bandidos.

Sumiu no mundo.
O que terá feito nas três décadas seguintes? Há rumores de que contatou um ou outro grupo de esquerda, nada tendo resultado.O desfecho veio numa mensagem do Chico, há alguns meses: finalmente, Matos se resignou ao destino que há tanto o aguardava, cometendo suicídio.
Faz alguns dias, fui ver se encontrava pormenores de sua morte nas buscas da internet. E verifiquei que ele é citado só de passagem, numa mísera dezena de registros. Nem imagem achei!
Não me surpreendeu. Matos foi um inimigo terrível para a direita e um personagem constrangedor para a esquerda. Todos preferem vê-lo relegado ao esquecimento.
Menos o Chico de Assis e eu. Ambos desprezamos essa mentalidade de avestruzes, essa moral das conveniências - que revolucionária não é, nem um pouco.
A verdade, sim, é revolucionária, como bem dizia Rosa Luxemburgo.
E Matos, depois de ter sido privado de tantas satisfações simples dos mortais ao longo de sua sofrida vida, não merece ser despojado também do seu papel na História.
Pois, apesar das óbvias limitações, fez tudo que estava ao seu alcance para combater a ditadura mais tacanha e brutal que este país já conheceu.
Merece respeito por sua luta e compaixão pelas suas desventuras.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

O ruir do "campo socialista": Implosão ou terceira guerra mundial?

Reflictamos no modo como o imperialismo americano conseguiu engolir a Nicarágua. Submeteu-a ao bloqueio económico e militar, ao controlo e à conspiração por parte dos seus serviços secretos, à colocação de minas nos portos, a uma guerra não declarada, mas sangrenta, suja e contrária ao direito internacional. Perante tudo isto, o governo sandinista viu-se obrigado a tomar medidas limitadas de defesa contra a agressão externa e a reacção interna. E logo a administração EUA se arma em defensora dos direitos democráticos espezinhados pelo "totalitarismo" e desencadeia a sua potência de fogo multi-mediático contra o governo sandinista, no âmbito de uma campanha que, se viu em primeiro plano a hierarquia católica, não deixou de arrastar algumas boas almas da "esquerda". A liberdade de manobra de Ortega perante a agressão foi sendo progressivamente reduzida e anulada. Enquanto o estrangulamento económico e a cruzada ideológica corroíam a base social de consenso do governo sandinista, as pressões militares e o terrorismo (alimentado por Washington) dos contras enfraqueciam a vontade e a capacidade de resistência. O resultado: eleições em que o imperialismo pôde fazer valer até ao fundo o seu super-poder financeiro e multi-mediático; já dessangrado e exausto, mais que nunca de faca apontada à garganta, o povo nicaraguense decidiu "livremente" ceder aos seus agressores. Não é diferente a táctica posta em acção contra Cuba. Bem, convém agora levantar uma questão: o ruir (pelo menos momentâneo) do regime sandinista é o resultado de uma "implosão"? Pode ser assimilado a "implosão" ou "colapso" o derrube, que desde há decénios o imperialismo americano persegue, de Fidel Castro e do socialismo cubano?

Neste caso, é imediatamente evidente o carácter mistificador de categorias que pretendem configurar como um processo meramente espontâneo e totalmente interno uma derrocada ou uma crise que não podem ser desligados da formidável pressão exercida a todos os níveis pelo imperialismo. Contudo, a categoria de "implosão" já não resulta persuasiva se, em vez da Nicarágua e Cuba, for aplicada à parábola do "campo socialista" no seu conjunto. Já em 1947, no momento em que formula a política da "contenção", o seu teórico, George F. Kennan explicita que é preciso influenciar "os desenvolvimentos internos da Rússia e do movimento comunista internacional", e não só por meio da "actividade de informação" dos serviços secretos, que no entanto - sublinha o autorizado conselheiro da embaixada americana em Moscovo e da administração EUA - não deve ser descurada. Em termos mais gerais e mais ambiciosos, trata-se de "aumentar enormemente as tensões (strains) sob as quais terá de actuar a política soviética", de modo a "promover tendências que deverão no fim encontrar a sua saída ou na ruptura ou no amolecimento do poder soviético". A que normalmente, com um singular eufemismo, é chamada "implosão" aqui é definida com precisão uma "ruptura" (break-up) que é tão pouco espontânea que pode ser prevista, programada e activamente promovida com mais de quarenta anos de avanço. No plano internacional, as relações de força económicas, políticas e militares são tais - prossegue ainda Kennan - que o Ocidente pode exercer algo parecido com um "poder de vida e de morte sobre o movimento comunista" e sobre a União Soviética. [3]

Nas origens da guerra-fria
O ruir do "campo socialista" portanto terá de ser colocado dentro de uma impiedosa prova de força. É a chamada guerra-fria. Esta investe todo o planeta e prolonga-se por decénios. Nos inícios dos anos 50, as suas modalidades são assim explicitadas pelo general americano James Doolittle: "Não há regras nesse jogo. Já não são válidas as normas de comportamento humano aceitáveis até agora... Devemos... aprender a subverter, sabotar e destruir os nossos inimigos com métodos mais inteligentes, mais sofisticados e mais eficazes do que os por eles usados contra nós".

A estas mesmas conclusões chega Eisenhower, o qual não foi por acaso que passou do cargo de supremo comandante militar na Europa para o de presidente dos EUA. Estamos em presença de uma prova de força que não só é conduzida, de um lado e do outro, sem exclusão de golpes (espionagem, conspiração, golpes de Estado, etc), mas que em diversas ocasiões se transforma, em várias áreas do globo, numa verdadeira guerra. É o que acontece por exemplo, na Coreia. Em Janeiro de 1952, para desbloquear a situação de empate nas operações militares, Truman acaricia uma ideia radical que chega a transcrever numa nota do seu diário: poder-se-ia fazer um ultimato à URSS e à China Popular, esclarecendo antes que a falta de obediência "significa que Moscovo, São Petersburgo, Mukden, Vladivostok, Pequim, Xangai, Port Arthur, Dairen, Odessa, Estalinegrado e todas as instalações militares ou industriais na China e na União Soviética seriam eliminadas" (eliminated). [5] Não se trata apenas de uma reflexão privada: durante a guerra da Coreia, em várias ocasiões a arma atómica foi brandida contra a República Popular da China; e a ameaça resulta tanto mais crível devido à lembrança, ainda viva e terrível, de Hiroshima e Nagasaki.

Não há dúvida de que com a dissolução, ou melhor, com o break-up, da URSS em 1991 se concluiu a guerra-fria. Mas quando começou? Já está claramente em curso enquanto ainda se mantém aceso o segundo conflito mundial. Hiroshima e Nagasaki são destruídas quando é já claro que o Japão está disposto a render-se; mais do que um país já derrotado, o recurso à bomba atómica tem em mira a URSS: é esta a conclusão a que chegam autorizados historiadores americanos, na base de uma documentação indesmentível. A nova arma terrível não pode ser experimentada com efeitos demonstrativos numa zona deserta, mas tem de ser já lançada sobre duas cidades, de modo que os soviéticos compreendam imediatamente e até ao fundo a realidade das relações de força e a determinação estado-unidense de não recuar perante nada. E com efeito, Churchill já se declara pronto, em caso de necessidade, a "eliminar todos os centros industriais russos", enquanto o secretário de Estado dos EUA Stimson acalenta por algum tempo a ideia de "obrigar a União Soviética a abandonar ou a modificar radicalmente todo o seu sistema de governo".

Verifica-se assim um paradoxo. A opor-se ou a mostrar-se relutantes ao projecto de bombardeamento são os chefes militares, sobretudo da marinha. "Bárbara" foi considerada a nova arma: ela atinge indiscriminadamente "mulheres e crianças", não é melhor que as "armas bacteriológicas" e que os "gases venenosos" proibidos pela Convenção de Genebra. Ainda por cima, o Japão está "já derrotado e pronto a render-se". Estes chefes militares ignoram que a arma atómica na realidade tem em mira a União Soviética, o único país agora em condições de contrariar o programa, explicitamente enunciado por Truman numa reunião de gabinete de 7 de Setembro de 1945, de fazer dos EUA o "gendarme e xerife do mundo". A notícia da horrível destruição de Hiroshima e Nagasaki provoca inquietação e inclusivamente indignação na opinião pública americana, e eis que em 1947 Stimson intervém totalitariamente com um artigo sensacionalista por todos os meios de informação para difundir a lenda e a mentira segundo a qual aquelas duas matanças indiscriminadas tinham sido necessárias para salvar milhões de vidas humanas. Na realidade - sublinha ainda o historiador americano aqui citado - era preciso bloquear de todas as maneiras a onda de críticas com o fim de habituar a opinião pública à ideia da absoluta normalidade do recurso à arma atómica (e de novo era avisada a URSS).

No Japão verifica-se outro facto decisivo para compreender a guerra-fria. Na sua agressão contra a China o exército imperial tinha-se manchado de crimes horríveis, utilizando não poucos prisioneiros como cobaias para a vivissecção e outras atrozes experiências e empregando contra a população civil armas bacteriológicas. Aos responsáveis e aos membros da famigerada unidade 731, a estes criminosos de guerra, os EUA garantem a impunidade em troca da entrega de todos os dados recolhidos. No âmbito da guerra-fria que agora se delineia, juntamente com as armas atómicas apontam-se também as bacteriológicas.

Vemos assim os inícios da guerra-fria entrelaçarem-se com a fase final da segunda guerra mundial. Na realidade, para ver como se entrelaçam não é preciso esperar por 1945. É esclarecedora a declaração feita por Truman logo a seguir à agressão nazi da URSS. Neste momento os Estados Unidos formalmente ainda não entraram em guerra, mas já estão de facto alinhados ao lado da Grã-Bretanha. Compreende-se portanto que o futuro presidente dos EUA se preocupe em explicitar que não quer "em caso algum ver Hitler vencedor". Contudo, por outro lado não hesita em declarar: "Se virmos vencer a Alemanha, devemos ajudar a Rússia, e se virmos vencer a Rússia devemos ajudar a Alemanha. Deixemos assim que se matem o mais possível". Isto é, apesar da aliança de facto do seu país com a Grã--Bretanha e portanto, indirectamente, com a URSS, Truman exprime todo o seu interesse ou entusiasmo pelo dessangramento do país nascido da revolução de Outubro. Nesse mesmo período de tempo, exprime conceitos semelhantes aos de Truman o ministro britânico Lorde Brabazon: é verdade que será obrigado a demitir-se, mas conta o facto de importantes círculos da Grã-Bretanha continuarem a encarar como um inimigo mortal a União Soviética com a qual contudo são formalmente aliados.

Tornando-se vice-presidente em 1944 e presidente no ano seguinte, Truman empenha-se em realizar o programa enunciado no verão de 1941. Deve-se acrescentar que o objectivo do enfraquecimento (ou do dessangramento) da URSS também não parece ter sido estranho a Franklin Delano Roosevelt (o qual, não por acaso, durante um ano teve como seu vice Truman). Quando se torna claro que seria a União Soviética e já não a Grã-Bretanha a emergir no fim da guerra "como o principal opositor a uma "pax americana" global", Roosevelt - observa um historiador alemão - alterou de modo radical a sua estratégia militar: "A consequência de deixar que a União Soviética fizesse o esforço maior para a vitória sobre a Alemanha teve expressão na decisão de predispor no seu conjunto só 89 divisões em vez das 215 previstas pelo Victory Programm deslocando o baricentro do armamento americano para a marinha e a aviação com a finalidade de construir uma potência naval e aérea superior".

Talvez se tenha de começar ainda mais atrás, e é significativo que André Fontaine, na sua História da guerra-fria, tenha partido da revolução de Outubro, que na realidade foi combatida com uma guerra-fria e quente. Se examinarmos o período que vai de Outubro de 1917 a 1953 (ano da morte de Estaline), vemos a Alemanha e as potências anglo-saxónicas alternar-se ou empenhar-se numa espécie de estafeta. À agressão da Alemanha de Guilherme II (até à paz de Brest-Litovsk) seguem-se as desencadeadas primeiro pela Entente e depois pela Alemanha hitleriana, e por fim a verdadeira "guerra-fria" que já tinha porém começado a manifestar-se decénios antes, entrelaçando-se mesmo com os dois conflitos mundiais.

Uma mistura fatal: o novo rosto da guerra
Em relação à URSS e ao "campo socialista" foi posta em movimento a mesma mistura de pressões económicas, ideológicas e militares com que a administração EUA conseguiu provocar a queda do governo sandinista e espera provocar a "ruptura" do sistema político-social cubano.Este modo novo e mais articulado e sofisticado de fazer a guerra foi sendo pouco a pouco elaborado precisamente no decorrer da longa prova de força empreendida contra a sociedade nascida da revolução de Outubro. Enviar soldados contra a Rússia soviética - sublinha Herbert Hoover, elevado expoente da administração americana e futuro presidente dos Estados Unidos - significa expô-los "à infecção de ideias bolcheviques". É melhor avançar com o bloqueio económico em relação ao inimigo e com a ameaça do bloqueio económico em relação aos povos inclinados a deixar-se seduzir por Moscovo: o perigo da morte por inanição fá-los-á recuperar o bom senso. O primeiro-ministro francês, Georges Clemenceau, é de imediato fascinado pela proposta de Hoover: reconhece que se trata de "uma arma realmente eficaz" e que apresenta "maiores possibilidades de sucesso que a intervenção militar". Indignado fica Gramsci com a chantagem formulada pelos imperialistas: "Ou a bolsa ou a vida! Ou a ordem burguesa ou a fome"!

Outra arma tem sido preparada a partir sobretudo da guerra fria propriamente dita. Já em Novembro de 1945, o embaixador americano em Moscovo, William A. Harriman, recomenda a abertura de uma frente ideológica e propagandística contra a URSS: pode-se recorrer à difusão de jornais e revistas, claro, mas "a palavra impressa" é "fundamentalmente insatisfatória"; melhor é o recurso a potentes estações de rádio capazes de transmitir em todas as diversas línguas da União Soviética. Destas estações de rádio é repetidamente recomendada e celebrada a potência [10] . Há uma nova arma à disposição no gigantesco choque que se vai iniciando. A rádio que servira ao regime nazi para consolidar a sua base social de consenso é agora chamada a desagregar a base social de consenso do regime soviético.

Juntamente com estas novas armas continuam a actuar de modo mediato ou imediato as armas verdadeiras. O período que vai de 1945-46 a 1991 tem sido autorizadamente definido como "uma terceira guerra mundial, embora de carácter assaz particular" [11] . Com efeito, é impróprio definir "fria" uma guerra que começou com Hiroshima e Nagasaki. Trata-se de uma guerra que não só se torna periodicamente quente nas mais diversas áreas do globo, mas que em certos momentos se arrisca a ser tão quente que derrete ou quase o planeta. Até no que respeita ao confronto directo entre os dois principais antagonistas, se a frente mais imediatamente evidente é a da batalha político--diplomática, económica e propagandística, nem por isso se deve perder de vista o terrível braço de ferro militar que, mesmo sem chegar até ao choque directo e total, decerto não é falto de consequências. Trata-se de uma prova de força que actua em profundidade sobre a economia e a política do país inimigo, sobre o conjunto da sua configuração, é uma prova de força que tem em mira e até consegue, como teremos ocasião de ver, corroer as alianças, o "campo" do inimigo.

Com as coisas neste ponto, a categoria de "implosão" revela-se como um mito apologético do capitalismo e do imperialismo: é celebrada a sua indiscutível superioridade em relação a um sistema social que, tanto em Moscovo como nas Caraíbas e na América Latina, se desmorona ou cai em crise exclusivamente devido à sua interna insustentabilidade, pela sua intrínseca inferioridade. A categoria de implosão ou colapso não faz senão coroar os vencedores. É verdade, ela encontrou largo acolhimento também à esquerda, entre os comunistas, também e sobretudo entre os que se comportam como ultracomunistas e ultra-revolucionários; mas isto é só a prova da sua subalternidade ideológica e política.

Denunciar a categoria de "implosão" não significa renunciar a um balanço impiedoso da história do "socialismo real" e do movimento comunista internacional. Pelo contrário, só se torna possível um balanço a partir da tomada de consciência da realidade da "terceira guerra mundial". Por outro lado, para que este balanço impiedoso não seja de nenhum modo confundido com a capitulação, é necessário conduzir até ao fundo a crítica do comportamento sob o signo da subalternidade e do primitivismo religioso que no movimento comunista ganhou pé a partir da derrota.

domingo, 13 de janeiro de 2008

Os tipos de bandeiras

Houve três tipos de bandeiras: as de tipo apresador, para a captura de índios (chamado indistintamente o gentio) para vender como escravos; as de tipo prospector, voltadas para a busca de pedras ou metais preciosos e as de sertanismo de contrato, para combater índios e negros (quilombos). De início, eram aprisionados os índios sem contato com o homem branco. Posteriormente, passaram a aprisionar os índios catequizados, reunidos nas missões jesuíticas. Grandes bandeirantes apresadores foram Manuel Preto e Antônio Raposo Tavares, que forneciam índios às fazendas do Brasil que necessitavam de mão de obra escrava e não contavam com suficiente quantidade de escravos negros.

A palavra paulista aliás segundo comenta o livro «Ensaios Paulistas», Editora Anhembi, São Paulo, 1958, página 636, se deve ao visconde de Barbacena: «Quer-nos parecer que a este governador-geral se deve o mais longínquo emprego até hoje divulgado do adjetivo paulista, ocorrente numa ordem expedida em 27 de julho de 1671. O gentílico deve ter-se generalizado rapidamente. Na documentação municipal de São Paulo aparece pela primeira vez em ata de 27 de janeiro de 1695.»

Sertanista é palavra que aparece em 31 de dezembro de 1678. Bandeira aparece a 20 de fevereiro de 1677 quando o sucessor de Barbacena narra que «os índios do vale do rio São Francisco haviam degolado várias bandeiras de paulistas. Uma consulta do Conselho Ultramarino de 1676, relativa a Sebastião Pais de Barros, ao se referir a sua expedição, fala da «sua bandeira, como eles (os paulistas) lhe chamavam.» Já da palavra bandeirante o mais longínquo emprego que se conhece é muito mais recente. Verifica-se num documento assinado pelo capitão-general conde de Alva em 1740. Impressa, parece ter sido pela primeira vez em 1817, por Aires do Casal.»

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Um dever de honra

Não queríamos "anistia" nem perdão para as vítimas políticas do velho poder reacionário. Exigíamos nosso direito à liberdade, à luta e à revolução para aquela centena de militantes corajosos e leais que definhavam nas penitenciárias e nas prisões por terem lutado, sob a ditadura militar do bando criminoso imperialista, pela liberdade do povo, a paz e o socialismo. Agora estão todos em liberdade. Estamos novamente enfileirados, prontos para o combate. Não foram os Scheidemann e seus cúmplices burgueses, com o príncipe Max1 à frente, que nos libertaram. Foi a revolução proletária que fez explodir as portas de nossas casamatas.
Contudo, outra categoria de habitantes infelizes desses edifícios lúgubres foi completamente esquecida. Ninguém pensou até agora nos milhares de figuras pálidas e macilentas que definham anos a fio atrás dos muros de prisões e penitenciárias expiando crimes comuns.

E no entanto são vítimas infelizes da infame ordem social contra a qual a revolução se dirigiu; são vítimas da guerra imperialista, que levou a miséria e a desgraça aos extremos da mais insuportável tortura; que, ao custo de uma carnificina brutal, desencadeou em naturezas fracas, dotadas de taras hereditárias, os instintos mais vis.A justiça de classe burguesa funcionou mais uma vez como uma rede que deixa tranquilamente escapar de suas malhas os tubarões rapaces enquanto as pequenas sardinhas nelas se debatem desamparadas. Os especuladores, que ganharam milhões com a guerra, ficaram na sua maioria impunes ou receberam penas pecuniárias ridículas; os pequenos ladrões e as pequenas ladras são punidos com penas de prisão draconianas.Passando fome e frio nas celas quase sem aquecimento, psiquicamente abatidos pelo horror dos quatro anos de guerra, esses enjeitados sociais esperavam misericórdia e alívio.

Mas esperam em vão. O último dos Hohenzollern, soberano bondoso preocupado em fazer os povos degolarem-se uns aos outros e em distribuir coroas, esqueceu-se dos infelizes. Desde a conquista de Liège não houve durante quatro anos qualquer anistia digna de menção, nem sequer no feriado oficial dos escravos alemães, o "aniversário do Kaiser".Agora a revolução proletária precisa iluminar com um pequeno raio misericordioso a existência sombria nas prisões e nas penitenciárias, diminuir as sentenças draconianas, abolir o bárbaro sistema disciplinar - correntes, açoites! -, melhorar no que for possível o tratamento e os suprimentos médicos, a alimentação e as condições de trabalho. É uma questão de honra!

O sistema penal existente, profundamente impregnado de um brutal espírito de classe e da barbárie do capitalismo, precisa ser extirpado de vez. É preciso começar imediatamente uma reforma de base do sistema penal. É evidente que uma reforma totalmente nova, no espírito do socialismo, só pode ser estabelecida sobre o fundamento de uma nova ordem econômica e social, pois tanto crimes quanto castigos estão em última instância enraizados nas condições econômicas da sociedade. No entanto, uma medida radical pode ser adotada sem mais: a pena de morte, a maior vergonha do ultra-reacionário código penal alemão, precisa desaparecer imediatamente! Por que hesita o governo dos trabalhadores e soldados? Será que o nobre Beccaria, que há duzentos anos denunciou em todas as línguas civilizadas a infâmia da pena de morte, não existiu para vocês, Ledebour, Barth, Däumig? Vocês não têm tempo, têm pela frente mil preocupações, mil dificuldades, mil tarefas. É verdade. Mas peguem o relógio e olhem quanto tempo leva para abrir a boca e dizer: está abolida a pena de morte! Ou será que entre vocês deveria haver a esse respeito um longo debate com votação? Será que nesse caso vocês também se deixariam enredar num emaranhado de formalidades, considerações de competência, questões de rubricas, carimbos e futricas semelhantes?

Ah, como é alemã esta revolução alemã! Como é prosaica, pedante, sem entusiasmo, sem brilho, sem grandeza. A pena de morte esquecida é somente um pequeno detalhe isolado. Mas é precisamente nesses pequenos detalhes que se trai de costume o espírito intrínseco do todo!Peguemos qualquer livro de história da grande Revolução Francesa, por exemplo, o árido Mignet. É possível ler esse livro sem o coração palpitante e a fronte em brasa? Quem abriu qualquer página ao acaso pode largá-lo antes de ter ouvido, empolgado, sem fôlego, o último acorde desse grandioso acontecimento? É como uma sinfonia de Beethoven, intensamente poderosa, uma tempestade trovejando no órgão dos tempos, grande e soberba, tanto nos erros quanto nos acertos, tanto na vitória quanto na derrota, tanto em seu primeiro grito ingênuo de júbilo quanto em seu último suspiro. E o que acontece agora na Alemanha? A cada passo, pequeno ou grande, sente-se que são sempre os velhos e bem comportados companheiros da defunta social-democracia alemã, para quem os carnês de filiação eram tudo, os homens e o espírito, nada. Não devemos nos esquecer contudo que não se faz história sem grandeza de espírito, sem pathos moral, sem gestos nobres.

Liebknecht e eu, ao deixarmos os hospitaleiros espaços onde vivemos ultimamente - ele, seus irmãos de penitenciária, de cabeça tosada, eu, minhas pobres queridas ladras e mulheres da rua com quem vivi três anos e meio debaixo do mesmo teto - nós lhes prometemos solenemente, enquanto nos acompanhavam com o olhar triste: não os esqueceremos!Exigimos do Comitê Executivo dos conselhos de operários e soldados um abrandamento imediato do destino dos prisioneiros em todos os cárceres da Alemanha!

Exigimos a supressão da pena de morte do código penal alemão!
Durante os quatro anos de genocídio imperialista o sangue correu em torrentes, em riachos. Agora é preciso guardar respeitosamente cada gota dessa seiva preciosa em recipientes de cristal. A mais violenta atividade revolucionária e a mais generosa humanidade - este é o único e verdadeiro alento do socialismo. Um mundo precisa ser revirado, mas cada lágrima que cai, embora possa ser enxugada, é uma acusação; e aquele que, para realizar algo importante, apressadamente e com brutal descuido esmaga um pobre verme, comete um crime.

1 Em 3 de outubro de 1918 o príncipe Max de Bade foi nomeado chanceler, tendo formado um governo parlamentar com o objetivo de paralisar o movimento revolucionário na Alemanha, salvar as classes dominantes e negociar com a Entente. Faziam parte do governo, entre outros, o líder da bancada do partido do Centro, Adolf Gröber, Friedrich von Payer como representante do Partido do Progresso, Philipp Scheidemann e Gustav Bauer como representantes da social-democracia.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Getúlio Vargas e a Era Vargas

Getúlio Dornelles Vargas (19/4/1882 - 24/8/1954) foi o presidente que mais tempo governou o Brasil, durante dois mandatos. De origem gaúcha (nasceu na cidade de São Borja), Vargas foi presidente do Brasil entre os anos de 1930 a 1945 e de 1951 a 1954. Entre 1937 e 1945 instalou a fase de ditadura, o chamado Estado Novo.

Revolução de 1930 e entrada no poder

Getúlio Vargas assumiu o poder em 1930, após comandar a Revolução de 1930, que derrubou o governo de Washington Luís. Seus quinze anos de governo seguintes, caracterizaram-se pelo nacionalismo e populismo. Sob seu governo foi promulgada a Constituição de 1934. Fecha o Congresso Nacional em 1937, instala o Estado Novo e passa a governar com poderes ditatoriais. Sua forma de governo passa a ser centralizadora e controladora. Criou o DIP ( Departamento de Imprensa e Propaganda ) para controlar e censurar manifestações contrárias ao seu governo.
Perseguiu opositores políticos, principalmente partidários do comunismo. Enviou Olga Benário , esposa do líder comunista Luis Carlos Prestes, para o governo nazista.

Realizações

Vargas criou a Justiça do Trabalho (1939), instituiu o salário mínimo, a Consolidação das Leis do Trabalho, também conhecida por CLT. Os direitos trabalhistas também são frutos de seu governo: carteira profissional, semana de trabalho de 48 horas e as férias remuneradas.
GV investiu muito na área de infra-estrutura, criando a Companhia Siderúrgica Nacional (1940), a Vale do Rio Doce (1942), e a Hidrelétrica do Vale do São Francisco (1945). Em 1938, criou o IBGE ( Instituto brasileiro de Geografia e estatística). Saiu do governo em 1945, após um golpe militar.

O Segundo Mandato

Em 1950, Vargas voltou ao poder através de eleições democráticas. Neste governo continuou com uma política nacionalista. Criou a campanha do " Petróleo é Nosso" que resultaria na criação da Petrobrás.

O suicídio de Vargas

Em agosto de 1954, Vargas suicidou-se no Palácio do Catete com um tiro no peito. Deixou uma carta testamento com uma frase que entrou para a história : "Deixo a vida para entrar na História." Até hoje o suicídio de Vargas gera polêmicas. O que sabemos é que seus últimos dias de governo foram marcados por forte pressão política por parte da imprensa e dos militares. A situação econômica do país não era positiva o que gerava muito descontentamento entre a população.

Conclusão

Embora tenha sido um ditador e governado com medidas controladoras e populistas, Vargas foi um presidente marcado pelo investimento no Brasil. Além de criar obras de infra-estrutura e desenvolver o parque industrial brasileiro, tomou medidas favoráveis aos trabalhadores. Foi na área do trabalho que deixou sua marca registrada. Sua política econômica gerou empregos no Brasil e suas medidas na área do trabalho favoreceram os trabalhadores brasileiros.

domingo, 6 de janeiro de 2008

A poetisa romântica da esquerda

Fã de Che Guevara, admiradora de Jesus Cristo e amiga de Carlos Marighella, ela foi alfabetizada com poesia e viveu exilada por causa da militância comunista
Ela gosta de dizer que foi alfabetizada com poesia e amamentada com música. Na juventude, filiou-se ao Partido Comunista. Foi presa em 1935 e ficou ao lado da cela de Olga Benário, a mulher de Luiz Carlos Prestes que morreu nas mãos dos nazistas. "Lamento não ter ficado mais tempo na prisão para conhecê-la", diz. Aos 90 anos, a poetisa Beatriz Bandeira Ryff, que tem três livros publicados, é uma socialista convicta. Para ela, Che Guevara foi um idealista admirável e Jesus Cristo, de certa forma, um revolucionário. No seu panteão particular, estão ainda Luiz Carlos Prestes e Carlos Marighella, de quem foi amiga.

Militante comunista, ela é viúva do jornalista Raul Ryff, gaúcho que ela conheceu no Rio, pouco antes de 1935, e que se tornaria secretário de Imprensa do governo João Goulart. "Fui procurá-lo para levar uma palavra de ordem do partido, ficamos amigos e acabamos presos no mesmo dia", conta.Nascida em 8 de novembro de 1909, filha de Alípio Abdulino Pinto Bandeira e Rosalia Nansi Bagueira Bandeira, ambos ferrenhos abolicionistas, Beatriz se tornou poetisa, depois de ser alfabetizada pelo avô. "O primeiro livro que ele me deu foi "As Primaveras", de Casimiro de Abreu. Depois viriam Castro Alves e Gonçalves Dias", recorda. Foi também o avô que lhe ensinou francês. Seu amor à música vem da infância. Sua mãe cantava e "tocava bandolim divinamente". Formou-se em piano pela Escola Nacional de Música.Da infância, recorda-se do bonde puxado por burro que passava perto de sua casa no Méier, zona norte do Rio. Nos fins de semana, o programa da família era colher framboesa, pitanga e jabuticaba na Floresta da Tijuca.

Quase toda a vida de Beatriz Ryff tem referências políticas. Em 1964, foi demitida pelo regime militar do cargo de professora de técnica vocal do Conservatório Nacional de Teatro. Ela e o marido foram procurar asilo na embaixada da Iugoslávia. Três meses depois, um grupo de perseguidos políticos de esquerda partiu para o exílio em Belgrado, no navio Bohiny. A experiência rendeu o livro" A Resistência - Anotações do Exílio em Belgrado".Os nomes dos dois filhos gêmeos - o mais velho se chama Sérgio - também têm laços com a política: Luiz Carlos é uma homenagem a Prestes e Tito Bruno é uma dupla homenagem: ao Marechal Tito, que unificou a Iugoslávia em 1945, depois da Segunda Guerra Mundial, e a Giordano Bruno, filósofo italiano que foi queimado na fogueira, em Roma, em 1600, durante a Inquisição.

Do exílio em Belgrado, os Ryff foram para Paris, onde Raul trabalhou para a tevê francesa e Beatriz fez a cobertura de desfiles de moda para uma agência de notícias brasileira. Antes, o casal já vivera exilado no Uruguai, em 1936 e 1937, para se livrar das perseguições do Estado Novo, depois do fracassado levante comunista. Pouco tempo depois, filiou-se ao PCB. No partido, conheceu a poetisa Eneida Costa de Moraes. Em 27 de novembro de 1935, dia em que a Revolução Comunista de 1935 foi abafada pelos militares, Beatriz seguiu em missão à casa de Eneida, perto da Lapa. Seus companheiros de partido haviam lhe dado um pacote com granadas do tipo banana. Ela aprendeu como funcionavam e lhe disseram que deveria subir ao apartamento de Eneida, se não houvesse uma toalha na janela. Tomou um táxi e desceu em frente à Escola Nacional de Música, para despistar e seguir a pé. Ao perguntar o preço da corrida ao motorista, ouviu dele: "Não é nada não, companheira, tenha boa sorte". Beatriz supõe que ele a reconhecera dos comícios dos quais participara. As granadas foram entregues a Eneida sem problemas.

Beatriz se considera uma privilegiada por ter convivido com "pessoas tão especiais e admiráveis". Foi assim com Carlos Marighela, que conheceu em Porto Alegre, em 1947. Nesse anos, os companheiros tinham organizado um bloco de Carnaval chamado Filhos do Povo.Em outra passagem, chorou no ombro da Passionária, como era conhecida Dolores Ibarruri, heroína do Partido Comunista espanhol. Foi na década de 1960, quando ambas participavam em Moscou de um Congresso de Mulheres. Depois de ver um filme sobre crianças catadoras de lixo no Brasil, Beatriz não conteve o choro e Dolores a consolou. E na prisão, em 1935, ela aprendeu inglês com o Barão de Itararé, pseudônimo do humorista Aparício Torelli. "Quando chegou, o Barão passou a subir nas grades para conversar com as mulheres. Soube que ele dominava bem o inglês e pedi que me ensinasse a língua", conta. "Ele passou a me mandar deveres dobradinhos numa caixa de fósforo que jogava pela grade." Nascia ali mais uma das amizades de Beatriz Ryff.