domingo, 5 de abril de 2009

Morreu Howard Zinn, o historiador que desafiou o establishment

Howard Zinn, historiador da Universidade de Boston, ativista político, desde cedo opositor à intervenção estadunidense no Vietnã e um dos principais críticos do presidente da Universidade de Boston, John Silber, morreu de um ataque do coração em Santa Mônica (Califórnia) durante uma viajem, segundo comunicou sua família. Tinha 87anos.
«Seus escritos mudaram a consciência de toda uma geração e ajudaram a abrir novos caminhos na compreensão e no significado crucial de nossas vidas», escreveu numa ocasião Noam Chomsky, ativista da esquerda estadunidense e professor do MIT. «Quando se o chamava à ação, podia se estar sempre seguro de que ele estaria na linha de frente. Um exemplo e um guia em quem se podia confiar.»

Para o doutor Zinn, o ativismo era a extensão natural da revisão da história que fazia em suas aulas. O livro mais conhecido de Zinn, A People's History of the United States (1980), não tinha como heróis os Founding Fathers - muitos deles proprietários de escravos e profundamente vinculados ao status quo, como o Dr. Zinn assinalava no começo da obra - mas os granjeiros da Rebelião de Shay e os dirigentes sindicais da década dos trinta.Como escreveu em sua autobiografia, You Can't Be Neutral on a Moving Train (1994), «minhas aulas estavam animadas desde o princípio por minha própria história. Não só queria ser justo com outros pontos de vista, senão que também queria oferecer algo mais que "objetividade": queria que os estudantes abandonassem minha aula não melhor informados, senão que melhor preparados para renunciar ao conforto do silêncio, mais preparados para falar, para atuar contra a injustiça ali onde a vissem. Tudo isso foi, por suposto, uma boa receita para buscar-me problemas.»

Certamente foi a receita para a disputa entre Zinn e Silber. Zinn, em duas ocasiões, até ajudou a encaminhar o voto de sua faculdade para destituir o presidente da Universidade de Boston, que, por sua vez, acusou o Dr. Zinn de incêndio (uma acusação da qual rapidamente se retratou) e o citou como principal exemplo de «aqueles que envenenam tudo o que há de bom no mundo acadêmico.»O Dr. Zinn foi vice-presidente do comitê de greve quando os professores da Universidade de Boston foram à greve em 1979. Quando terminou a greve, ele e quatro colegas foram acusados de violar seus contratos ao recusar cruzar um piquete de secretárias. Os encargos contra "os cinco da Universidade de Boston" logo foram revogados.

Howard Zinn nasceu em Nova Iorque em 24 de agosto de 1922, filho de um matrimônio de imigrantes judeus, Edward Zinn, garçom de profissão, e Jennie (Rabinowitz) Zinn, dona de casa. Estudou em escola pública em Nova Iorque e trabalhou nos estaleiros do Brooklyn antes de ser alistado na Forças Aérea durante a Segunda Guerra Mundial, quando serviu num bombardeiro da Oitava, alcançando o posto de alferes e obtendo a medalha do ar.Terminada a guerra, Zinn trabalhou numa série de ofícios de pouca monta até que entrou na Universidade de Nova Iorque, graças a GI Bill, com 27 anos. O professor Zinn, que havia desposado Roslyn Schechter em 1944, trabalhava à noite num armazém carregando caminhões para custear seus estudos. Licenciado pela Universidade de Nova Iorque, prosseguiu seus estudos de doutorado na Universidade de Columbia. Foi professor auxiliar na Universidade de Upsala e professor convidado na Universidade de Brooklyn antes de dar aulas na Universidade Spelman de Atlanta, em 1956, no departamento de história, ministrando um curso sobre a história das mulheres afro-americanas. Entre seus estudantes, encontrava-se a romancista Alice Walker, que o qualificou como «o melhor professor que já teve», e Marian Wright Edelman, futura presidenta da Fundação Children's Defense.

Durante essa época, o Dr. Zinn foi um participante muito ativo do movimento dos direitos civis. Foi membro do Comitê de coordenação de estudantes para a não-violência, a organização mais militante de todas as dos direitos civis da época, e participou em numerosas manifestações.

O Dr. Zinn se converteu em professor auxiliar de ciências políticas da Universidade de Boston em 1964, na qual foi nomeado professor titular em 1966.Seu ativismo o levou a postular contra a Guerra do Vietnã. Zinn participou em numerosas palestrar e teach-ins, e atraiu a atenção de todo o país quando ele e outro destacado antibelicista, o reverendo Daniel Berrigan, visitaram Hanói em 1968 para reunir-se com três prisioneiros liberados pelos norte-vietnamitas.

A participação do Dr. Zinn no movimento anti-guerra o levou a publicar dois livros: Vietnam: The Logic of Withdrawal (1967) e Disobedience and Democracy (1968). Previamente, havia publicado La Guardia in Congress (1959) - com o qual ganhou o prêmio da Associação de História Albert J. Beveridge -, SNCC: Los nuevos abolicionistas (1964), The Southern Mystique (1964) e New Deal Thought (1966). O Dr. Zinn também foi autor de The Politics of History (1970), Postwar America (1973), Justice in Everiday Life (1974) e Declarations of Independence (1990).

Em 1988, Zinn retirou-se temporariamente da universidade para proferir conferencias e escrever. Nos últimos anos, dedicou-se sobretudo à escritura de obras teatrais, das quais foram encenadas Emma, sobre a dirigente anarquista Emma Goldman, e Daughter of Venus.
O Dr. Zinn (melhor dito: seu principal livro) participou do filme de 1997 Good Will Hunting, quando o protagonista epônimo interpretado por Matt Damon elogia A People's History e anima o personagem interpretado por Robin Williams a lê-lo. Damon, que co-escreveu o roteiro do filme, foi vizinho de Zinn em sua infância. Damon produziria anos depois a versão televisionada do livro The People Speak, que foi ao ar no Canal História em 2009. Damon também foi o narrador do documentário biográfico sobre Zinn: Hozard Zinn: You Can't Be Neutral on a Moving Train. Em seu último dia de aula na Universidade de Boston, Howard Zinn terminou a aula trinta minutos antes para unir-se a um piquete e convidou os 500 alunos de sua classe a que se unissem a ele. Uma centena o fez.A esposa do Dr. Zinn faleceu em 2008. Zinn deixa uma filha, Myla Kabat-Zinn en Lexington, um filho, Jeff de Wellfleet, três netas e dois netos.

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