quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

O PSB e a Questão Agrária

A Reforma Agrária foi o assunto mais debatido na IV Convenção Nacional do partido realizado no Rio de Janeiro, entre os dias 14 e 17 de outubro de 1949. Tal foi o peso da discussão, que um dos representantes paulistas, Febus Gikovate, teria dito que o PSB gostaria de ser reconhecido como o Partido da Reforma Agrária. E acrescenta: foi “Mário Pedrosa que, mais de perto, tocou no âmago da questão. Disse ele que a sorte das nossas instituições democráticas está subordinada à reforma agrária. Sem uma reforma agrária, a nossa democracia não terá jamais base suficiente, ampla e sólida, e o nosso regime oscilará entre a ditadura militar e a democracia aparente”. Quando o governo federal, em 1952, estabeleceu suas “Diretrizes para uma reforma agrária no Brasil”, ele também constitui uma Comissão Nacional de Política Agrária, e Hermes Lima, professor de direito constitucional, foi escolhido para compô-la.

Três são os aspectos principais que se destacam ao lermos os projetos de reforma agrária do PSB desde a sua fundação até os primeiros da década de 50. O primeiro – já como decorrência de seu alinhamento ao nacional-desenvolvimentismo - é o forte viés tecnicista das soluções propostas pelos socialistas, as quais decorrem de uma redução da questão agrária a um problema de ordenação de uma economia agrícola nos moldes de um capitalismo de estágio avançado, bem diferente do que se ainda praticava no país. Daí vemos os socialistas proporem que as mudanças no campo (sociais, técnicas e financeiras) deveriam ser precedidas por estudos especializados, com vistas ao aproveitamento máximo das terras agricultáveis do país. Outros pontos de destaque são: organização da economia rural; criação de fazendas-escola; previdência aos trabalhadores rurais; assistência técnica e financeira ao agricultor, de modo a se libertar progressivamente do intermediário.

É interessante lembrar que essas mesmas propostas seriam poucos anos mais tarde integralmente incorporadas pelos trabalhistas na formulação de seu programa agrária, assim como pelos próprios comunistas. Um segundo aspecto é a clara orientação dos socialistas em favor da transformação da massa camponesa numa classe de pequenos proprietários. Entre alguns exemplos, o projeto do deputado federal pelo Distrito Federal Breno da Silveira talvez seja o mais emblemático. Para Silveira, a preservação e fomento da pequena propriedade era condição necessária para a reforma agrária no país, sendo, portanto, “dever do Estado facilitar a criação da pequena propriedade rural, livre da ação coletiva do latifúndio, que é a negação de todo progresso agrícola da Nação.”

O outro aspecto – talvez o mais importante – é a grande destaque que o partido confere aos elementos de ordem jurídica ligados a questão da terra. Na visão dos socialistas, o elemento jurídico era mais crucial do que o político para a resolução deste problema nacional. A fala de Hermes Lima, professor de direito constitucional, é emblemática:

"Reforma Agrária, tema básico no elenco dos problemas... é empreitada difícil porque acarreta transformações no estatuto técnico e jurídico da terra. Como um dique represador das águas, a resistência à reforma agrária acumula idéias, tentativas,órgãos técnicos, toda uma legislação parcial, de superfície, até que se esboroe, por bem ou por mal, o paredão obstrutivo do pensamento regenerador do trabalho agrícola."

Lima tinha sentido de forma direta a força dessa resistência quando teve negada, na Constituinte de 1946, a proposta de sua autoria que visava facilitar as desapropriações de terra. Entretanto, os socialistas voltariam a tocar na tecla da desapropriação por diversas vezes, incluindo na pauta de debates questões como indenização, critérios para o estabelecimento de seu valor, etc. Eles aparecem no programa agrário aprovado na V Convenção Nacional de 1953, que tinha como alguns de seus pontos: reforma da Constituição de modo a permitir a indenização dos donos das terras desapropriadas; estabelecimento de limites para a justa indenização à base do custo histórico do imóvel improdutivo e com a exclusão das valorizações decorrentes de obras e serviços públicos; redução do prazo de usucapião; consideração do trabalho como requisito definidor do direito à exploração da terra etc.

Dentro dessa perspectiva, a Reforma Agrária deveria ser promovida não pelo movimento organizado dos trabalhadores rurais e sim por meio de uma ação dos poderes públicos no sentido de garantir os dispositivos necessários para a transformação do sistema fundiário do país. Aqui, mais do que nunca, o partido reafirmava a sua concepção sobre a tática a ser seguida pela revolução brasileira, a qual estava ligada a uma defesa intransigente da via legal como caminho exclusivo da resolução de conflitos e mesmo de uma grande transformação social. Princípio este, de extrema significação naquele contexto de virada da década de 1940, onde se tinha o PCB - que mesmo na ilegalidade disputava a hegemonia no seio das esquerda junto com o PTB-, cuja orientação político-programática se estruturava em torno da linha insurrecional. Linha que seria definitivamente formalizada no “Manifesto de Agosto de 1950” e que pregava como solução da questão agrária, o confisco e a tomada dos grandes latifúndios e a organização de Exércitos de Libertação Nacional entre os camponeses.

Nenhum comentário:

Postar um comentário