quarta-feira, 16 de maio de 2007

Literatura para o teatro

O drama barroco tipicamente usa motivos clássicos mas tenta trazê-los para o mundo moderno, muitas vezes centrando a ação na figura do monarca. Ao contrário do drama clássico, onde o destino é uma das principais forças propulsoras da ação, um destino que é cego e contra o qual não há nada capaz de se opor, no drama barroco o interesse passa para as dificuldades inerentes ao exercício do poder, da vontade e da razão diante da realidade política corrupta, cruel e cínica e do descontrole das paixões, gerando uma perene e dolorosa tensão entre o desejo por um mundo harmonioso, belo e santificado e a impressão de que tudo se dirige para a catástrofe e a destruição, sem qualquer esperança para o homem. Para a expressão desses conflitos um recurso técnico comum é a alegoria, que transporta os fatos concretos para uma esfera mais abstrata e mais abrangente, possibilitando múltiplas interpretações e fazendo relacionamentos simultâneos entre vários níveis de realidade. O uso da alegoria é típico do Barroco também porque ela não oferece uma resposta unívoca às questões propostas, permanecendo o incerto, o ambíguo e o mutável como elementos integrantes do tema, permite o exercício da crítica social sem ligar-se diretamente a figuras públicas verdadeiras, e possibilita a exploração da psicologia humana em todos os seus extremos contrastantes de virtude e vício, e com todas as nuances intermédias. Por tais motivos, nas alegorias dramáticas do Barroco abundam imagens de ruínas e da morte, mas abrindo a perspectiva de um novo nascimento e de uma ação humana significativa.Nas regiões protestantes o drama se tornou particularmente pessimista, uma vez que o Protestantismo só admite a doutrina da salvação pela fé, e as boas obras perdem assim significado transcendente. No drama protestante a história é essencialmente decadência ou regressão, e seus temas são principalmente lamentos sobre um mundo envilecido.Mesmo nos dramas sacros católicos são recorrentes os temas do sacrifício, do martírio, da abstinência, da penitência e da melancólica, ainda que espiritualmente gloriosa, renúncia ao mundo da matéria, o "fruto proibido", dirigindo as esperanças para a esfera divina e eivando as narrativas com imagens trágicas e dolorosas, especialmente quando os dramas sacros eram representados em associação com festividades religiosas como a Paixão de Cristo, quando procissões de devotos se autoflagelavam e davam outras provas ritualizadas e teatralizadas de fé entre excessos emocionais.
Ainda que os personagens e os motivos tenham se multiplicado em relação ao Renascimento, no drama Barroco a ação é mantida mais coesa e ininterrupta por uma rede mais complexa de relacionamentos entre os seus agentes, conduzindo um desenvolvimento narrativo marcado pelas leis da causa e efeito, ainda que em seu curso a trama muitas vezes seja entremeada por surpresas e reviravoltas imprevistas, de qualquer forma encaixadas plausivelmente dentro dos limites da lógica. Outra diferença em relação ao período anterior é que os personagens já não são tipos fixos, com caracteres imutáveis e previsíveis. Antes um herói era sempre um herói, e suas ações sempre virtuosas; um bandido era sempre vil e suas intenções sempre obscuras e daninhas. No Barroco os personagens são mais humanos e contraditórios, suas personalidades apresentam áreas claras e escuras, e as mundanças nos comportamentos, humores e motivações podem ser abruptas e drásticas. Finalmente, a ação não é mais concebida como um arco perfeito, com um início, meio e fim nítidos, com um progressivo e calculado acúmulo de tensão que culmina num clímax final; os dramas barrocos podem iniciar com uma impressão de casualidade, como se o observador tivesse capturado uma cena de passagem e sido jogado dentro da trama acidentalmente; tampouco os finais são sempre um clímax, e nas tragédias barrocas a morte do protagonista no final deixa de ser uma regra. Esses traços, contudo, são muito genéricos, e casos particulares podem apresentar estruturas e desenvolvimentos bastante diversos, como é típico de todo o Barroco.

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